Vicente Magalhães Fernandes, estudante universitário e membro da Greve Climática Estudantil
Artigo originalmente publicado no Expresso
Na semana passada comecei a ser julgado por ter, em fevereiro deste ano, atirado tinta a Luís Montenegro, num evento de campanha às eleições legislativas que este viria a ganhar. Questionado por jornalistas, Luís Montenegro justificou-se, assegurando que o programa eleitoral da AD “contempla várias medidas em matéria climática”. Ora, à matéria climática, esse programa dedicou pouco mais de três páginas sem, em qualquer uma delas, mencionar “cortes de emissões” ou “combustíveis fósseis”. Por cima disso, ainda vimos declarações do cabeça de lista da AD por Santarém em defesa de que Portugal está a perder milhões em investimento por “falsas razões climáticas”, pondo em causa a própria existência da crise. É revoltante como a maior crise das nossas vidas passou completamente ao lado do debate político numas eleições tão decisivas. Luís Montenegro era o cabeça de lista de uma coligação que muito contribuiu para que assim fosse.
Segundo o IPCC (Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas), é preciso cortar as emissões a nível global em 50% até 2030 para limitar o aumento da temperatura global a 1,5ºC, limite a partir do qual os danos se tornam irreversíveis. Estima-se que este limite seja ultrapassado durante este ano ou no próximo. Não nos deixemos enganar: um mandato até 2028 é o último em que é possível reverter a crise climática. Em fevereiro, reivindicávamos o único plano político que nos garante um futuro: fim aos combustíveis fósseis até 2030. Agora, depois de uma campanha eleitoral alienada da realidade e de um governo que não nos trouxe mais perto dessa reivindicação, estudantes escreveram “A Carta de Estudantes pelo Fim ao Fóssil até 2030”, exigindo ao nosso governo que apresente um plano para acabar com a queima e uso de combustíveis fósseis nos prazos da ciência.
Luís Montenegro está a pedir uma indemnização por supostos danos causados ao seu fato que, alegadamente, custou 1500€, à sua camisa e aos seus sapatos, de 130€ e 129€, respetivamente. Pondo as coisas em perspetiva, é difícil imaginar que um fato valha mais para a justiça do que o presente e futuro do nosso planeta. Mas vale certamente muito mais do que qualquer um de nós poderia gastar numa peça de roupa. Enquanto o primeiro-ministro reclama uma indemnização pelo seu fato, que alega valer 1500€, quase o dobro do salário mínimo, a grande maioria dos portugueses preocupa-se em ter comida na mesa, uma casa para morar e um planeta onde viver, vítimas dos sintomas de um mesmo sistema que coloca o lucro acima da vida. O mesmo sistema parece colocar o fato do primeiro-ministro acima do nosso futuro e das milhares de pessoas que já estão a morrer devido à crise climática.
Qual é a verdadeira violência aqui? É a de que são acusados os jovens quando protestam por justiça climática e pelo seu direito a um futuro? É tinta verde num fato? Ou são os incêndios que estão a devastar o nosso país? As ondas de calor que mataram 1432 pessoas em Portugal no último ano? Os furacões cada vez mais frequentes? A seca extrema que assola quase metade do território português? Também eram acusadas de violência as sufragistas, de serem demasiado disruptivas, até conquistarem o direito ao voto. O mesmo para os ativistas do movimento dos direitos civis pela libertação negra nos EUA. É a acusação mais fácil de fazer a quem desafia o status quo. Para além de provas históricas, há já estudos que demonstram que a disrupção pública é necessária para despoletar a discussão que resulta na tão urgente pressão política, particularmente na questão climática.
A crise climática é um ato de violência que tem de ser travado. Se o governo não o fizer, temos de ser nós a travá-la porque somos a última geração capaz de o fazer. A ciência é clara: temos até ao final da década para evitar que a crise climática se torne irreversível e precisamos de um plano para acabar com os combustíveis fósseis até 2030. Por isso, estudantes por todo o mundo e também em Portugal uniram-se para escrever “A Carta de Estudantes pelo Fim ao Fóssil até 2030”. É frustrante fazer parte da geração a quem o futuro está a ser tirado, a quem todos os sonhos e perspetivas de vida futura estão a ser impossibilitados, mas é fulcral canalizar essa frustração para sermos agentes ativos na construção do futuro que ambicionamos. É igualmente crucial reconhecer a responsabilidade que temos por viver neste momento histórico do planeta e a capacidade que temos de agir, também por ainda não sermos as pessoas que já perderam tudo nesta crise. Tal como afirma a Carta, caso o governo ignore novamente a vontade dos estudantes, no final de abril de 2025 estes sairão das aulas para iniciar um período de duas semanas de paralisação das escolas. É um ato legítimo e necessário para alcançar esta reivindicação.
Vivemos um momento histórico, o momento de decidir: o que vale mais, o rumo do planeta ou o fato do primeiro-ministro?