Catarina Bio, estudante de Direito da Greve Climática Estudantil

Artigo originalmente publicado no Expresso

Estamos perante um momento histórico. Para o bem ou para o mal, 2024 vai ser um ponto de viragem na batalha pelo nosso futuro. O ano passado foi o ano mais quente desde que há registo. Este ano atingimos a temperatura que os governos acordaram no acordo de Paris não ultrapassar para evitar um aquecimento irreversível. Também este ano temos duas eleições que colocam em cima da mesa tanto o futuro da democracia, como a nossa sobrevivência. Ambas as eleições dão o último mandato para decidir se vamos ter o fim aos combustíveis fósseis até 2030 e evitar as piores consequências da crise climática, ou atingir pontos de não retorno planetários que vão impedir a civilização como a conhecemos. O futuro de todos depende de decisões tomadas hoje.

No entanto, nenhum partido tem um plano adequado à realidade climática. Nenhum programa político prevê como vamos fazer a transição justa nos prazos da ciência. Para termos um futuro precisamos do fim ao fóssil até 2030, e o primeiro passo para o garantir é criar um serviço público de energias renováveis que garanta eletricidade 100% renovável e gratuita a todos até 2025. Nenhum partido tem legitimidade para formar governo enquanto continuar a ignorar a maior crise que a humanidade já enfrentou. É francamente assustador o quão pouco relevante este facto está a ser para esta inteira campanha eleitoral.  Na maior parte dos debates nem se fez menção ao tema, e quando se faz é apenas uma nota de rodapé.

Montenegro respondeu que era mais fácil termos conversado com ele. No entanto, foi preciso esta ação acontecer para ele mencionar a crise climática. E conversar para quê? Há duas opções: ou um candidato a primeiro ministro sabe menos sobre a maior crise que já enfrentámos do que estudantes de secundário, e não sabe que precisamos de acabar com os combustíveis fósseis 20 anos antes do que aquilo que propõe; ou o candidato já sabe sobre isto e no entanto escolhe proteger o lucro das empresas petrolíferas em vez de garantir o nosso futuro. Nós precisamos de ação, não de mais conversa. O que estamos a pedir não é nada mais do que os cientistas têm vindo a alertar há décadas. A AD e os restantes partidos só têm de ouvir a ciência. Se não há conversa, a falta de resposta é do lado do poder político que nos está a ignorar. Quando Montenegro diz, depois de ser pintado, que está preparado para tudo e que “não há crise”, não se de ve ter apercebido da ironia da sua frase. Na verdade, ele não está preparado para lidar com a crise climática, e está a ignorar o facto de que ela existe (fingindo que “não há crise”).

Se nada fizermos, o colapso climático é inevitável: sem agricultura, sem sociedade, um mundo de catástrofes semanaisque irá alimentar a ascensão da extrema direita que já vemos a acontecer. Enquanto todos estiverem a sentir os efeitos destas crises e nenhum partido tiver um plano para garantir a sobrevivência e os direitos dos portugueses, o fascismo irá crescer.

Culparem quem usa o seu direito ao protesto para denunciar os programas políticos catastróficos dos partidos, dizendo que estas ações fazem crescer o fascismo, é como culpar o médico que vos está a diagnosticar pela doença. O fascismo já existe, e vai continuar a crescer enquanto não resolvermos as crises causadas pelo sistema que coloca o lucro acima da vida das pessoas. É um agravamento dos sintomas inevitável enquanto não resolvermos o problema pela raiz, através de uma mudança sistémica que garanta uma transição justa baseada nos prazos da ciência e nos valores da democracia e liberdade. 

Protestos nas suas mais variadas formas são a mais alta expressão da democracia, não as pantominas eleitoralistas dos partidos. Dizer que não podemos responsabilizar os culpados das crises que nos estão a condenar e que tinta é um protesto “demasiado extremo”  é sim um ataque à democracia. Mas não tão grave como a recusa dos partidos em criar um plano para o fim ao fóssil até 2030. O nosso medo é de ficarmos sem àgua para beber no nosso tempo de vida. O medo que causamos a quem nos está a condenar é de ficar com o fato sujo. A verdadeira violência não está a ser causada por nós. O direito à vida que eles estão a colocar em causa não será mais relevante para a democracia do que o suposto direito a não seres responsabilizado pela tua inação política com um bocado de tinta?

As críticas já eram esperadas. Quando questionam a eficácia destes protestos poderia até ser cómico, se não fosse o facto de que estamos em 2024 e que as táticas que estas pessoas defendem já terem sido feitas por colectivos durante várias décadas e que as emissões não pararam de aumentar.  Ou pelo facto de que ações disruptivas estão a trazer mais pessoas para o movimento climática. Ou pelo facto de que quando se fazem ações disruptivas, e mesmo que se insista em falar mais na forma do que no conteúdo (o que é principalmente culpa de quem efetivamente se foca mais na forma) se fala muito mais sobre a crise climática do que antes. Ou pelo facto de que estamos a colocar fim ao fóssil 2030 na agenda mediática e política. Ou seja, se os factos não existissem até teriam razão.

A crítica de que “não é o momento oportuno” também já está a ficar velha. Quando é que é a altura oportuna para falarmos do facto que os partidos estão a fazer planos para o colapso? Se não for nas últimas eleições que dão mandato para evitar isto, será quando? Não consentimos que a nossa sobrevivência seja sempre colocada em segundo plano. Era suposto esperarmos por quantas semanas de campanha a ignorar o nosso futuro para fazermos algo?

E estas críticas foram sempre comuns a todos os movimentos sociais que fizeram alguma mudança real. Afinal, os métodos nunca são os corretos quando perturbas verdadeiramente o sistema opressor. O eco das críticas às sufragistas, a Rosa Parks e aos estudantes das crises académicas faz-se ouvir pelas vozes bafientas sem qualquer perspetiva histórica de protestos políticos. Nos 50 anos do 25 de abril, glorificamos as lutas do passado e no entanto no presente agem como aqueles que desprezaram quem apenas pede justiça. Sabemos que estamos do lado certo da História. De que lado querem ficar, e o que vão dizer aos vossos netos sobre o que fizeram durante este momento histórico?

Esta primavera, os estudantes vão mobilizar-se e organizar-se nas escolas, que são os nossos espaços de luta. Sabemos que estudantes já fizeram a diferença, e sabemos que agora é a nossa vez. Estamos a crescer cada vez mais e vamos abalar o sistema fóssil.

Em Maio, vamos ter uma onda de ações para interromper as instituições de poder que nos estão a condenar até que sejam obrigadas a cumprir o plano da ciência, até que tenham um plano para o fim ao fóssil em 2030. 

Isto não é irrealista. Já existem planos que mostram como isto pode ser feito. Irrealista é acreditar que vamos continuar a deixar que nos mintam e que finjam que não podem garantir o nosso futuro sem fazermos nada. 

A primavera estudantil vai trazer o renascimento da organização política nas escolas, e com as sementes de abril vamos plantar o novo futuro que sabemos ser possível.

Somos o movimento estudantil que não consente com a nossa condenação em nome do lucro. E tu, de que lado da história queres estar?

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