Nas Vozes Coletivas do Gerador, Arte, ativista da Greve Climática Estudantil Lisboa, desafia a falta de imaginação coletiva.

A normalização da crise climática resultou neste contexto onde qualquer medida que procure concretamente resolvê-la pareça inimaginável. Para muitas pessoas, é mais fácil imaginar o fim do mundo do que um mundo melhor. As ocupações pelo fim aos fósseis acontecem porque nós não nos podemos dar ao luxo de aceitar esta normalidade e falta de imaginação.

Uma das minhas escritoras favoritas, Ursula K. Le Guin , uma vez escreveu: “Todos nós temos de aprender a inventar as nossas vidas, criá-las, imaginá-las. Precisamos de aprender estas habilidades; precisamos de guias para nos mostrar como. Se não o fizermos, as nossas vidas serão inventadas por outras pessoas.” Os guias, para ela, são histórias. Com outras histórias, podemos imaginar outras possibilidades. Vivemos rodeadas de historias –  independentemente da sua veracidade –  crescemos com estes modelos da realidade, e desenvolvemos uma narrativa do nosso relacionamento com ela. Com o passar do tempo, as histórias mudam – algumas reaparecem, outras persistem, e algumas caem no esquecimento face a novas formas de pensar moldadas por novas experiências.

Neste momento, muitas das narrativas da nossa sociedade apontam na direção de um beco sem saída. Enquanto caminhamos por estas ruas estamos a ser esfaqueadas com precariedade, ao mesmo tempo que roubam o nosso futuro. Temos que bater o pé e deixar de aceitar isto como normal: a nossa sociedade está a ser mortas as prestações, cada conta da eletricidade, cada renda, cada estudante que se vê forçada a desistir da faculdade porque não tem dinheiro para pagar propinas são mais um prego no caixão.

A realidade de crises e a falta de uma narrativa que nos aproxima de um futuro melhor estão a levar-nos a um beco sem saída. É urgente criar novas situações e experiências que nos permitam re- imaginar o que é possível. Ao interromper a normalidade, as ocupações pelo fim aos fósseis estão a ser uma oportunidade para expandir a nossa imaginação coletiva. Note-se que até aparentemente irrelevantes detalhes logísticos tornaram-se, para nós e para quem nos vê,  num abre olhos para o que é possível construir em conjunto no futuro. Tentem imaginar por um momento: 3 estudantes à volta de um panelão de 50 litros, a cozinhar no meio de um pavilhão da faculdade de ciências da Universidade de Lisboa. De repente, entram três intimidantes polícias. Neste ambiente de tensão, uma das estudantes levanta uma taça e pergunta ao agente mais próximo: “queres sopa?”. A este momento caricato adiciona-se um dos seguranças,  que ao entregar o seu prato comenta com os policias: “olhem que está muito boa!”. Visivelmente confuso  sobre como abordar a situação, o senhor agente recusa a sopa. Face a uma “cambada” de estudantes que consegue montar uma cantina num contexto de alto stress e falta de recursos, a ideia de que é normal – e razoável!- uma faculdade não ter cantina começa a ruir; e assim neste processo surge a possibilidade para coletivamente re-imaginar o espaço a ser ocupado, bem como o seu papel nas nossas vidas. 

Quando me dizem que um mundo melhor não é possível e que não é possível acabar com este sistema injusto que permite lucros criminosos enquanto o planeta arde e as pessoas não conseguem pagar as contas, só tenho a dizer: não com essa atitude. Quem não luta já perdeu, se a nossa casa esta a arder não podemos ficar sentados no sofá a suspirar, temos que nos levantar. Para imaginar algo – não como um ideal abstrato, mas como uma possibilidade real – precisamos primeiro de nos envolvermos ativamente na tarefa. É fazendo coisas que descobrimos que elas podem ser feitas.

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