Artigo da Raquel Alcobia, publicado originalmente no Expresso a 24 de Março de 2023.

A ciência mostra-nos mais uma vez que se nada for feito estamos condenados. Não podemos conformar-nos com a inação dos governos para evitar o colapso. Temos de tomar a responsabilidade de travar a utilização de combustíveis fósseis pelas nossas próprias mãos.

Depois de oito dias de ocupação, duas escolas secundárias fechadas, uma manifestação “unidos contra o fracasso climático”, uma invasão à ordem dos contabilistas, uma reunião com o ministro, e nove estudantes detidas por reivindicarem o fim ao fóssil, verificámos mais uma vez o negacionismo do Governo face à urgência climática.

Agora, após inúmeros avisos, o Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas (IPCC) apresenta de novo, no relatório final divulgado na passada segunda-feira, que o panorama atual mostra que, se nada for feito, estamos condenados. Perante isto, não podemos conformar-nos com a inação dos governos para evitar o colapso: temos de tomar a responsabilidade de travar os combustíveis fósseis pelas nossas próprias mãos.

Diz-nos este novo relatório que, apesar de ainda ser possível não ultrapassar os 1,5 graus de aquecimento global, será cada vez mais difícil. Isto porque cada vez mais os governos ignoram a urgência da crise climática, não tomando as medidas necessárias para evitarmos o colapso civilizacional.

Até António Guterres, secretário geral da ONU, proferiu que “este relatório é um apelo claro à intensificação de esforços climáticos de cada país e de cada sector e em qualquer período. O nosso mundo precisa de ação climática em todas as frentes: tudo, em todo o lado, ao mesmo tempo”. É disso que se trata: já não estamos apenas a defender a natureza e as condições com que a sociedade será atingida. Agora está em causa a sobrevivência humana.

No relatório lê-se: “As emissões deveriam estar já a reduzir-se e terão de ser cortadas em cerca de metade até 2030, se queremos limitar o aquecimento até 1,5 graus”, ação que não está prevista nas mãos dos governos. Em vez disso, as políticas atuais apontam que as temperaturas globais irão aumentar pelo menos três graus celsius, chegando até aos 3,7 segundo o The IEA’s State Policies Scenarios (STEPS) e a 3,2 segundo o IPCC AR6. Como é que a mais fundamental questão de vida ou de morte não é o tópico mais discutido nos nossos governos?

Antes pelo contrário, continuam a priorizar o lucro em vez da vida, recusando-se a ver além da barreira do vício num sistema económico baseado em combustíveis fósseis.

O negacionismo climático é tão criminosamente flagrante que, de acordo com o relatório, “atualmente, há mais financiamento a fluir para os combustíveis fósseis do que para adaptação e mitigação (redução de emissões) climática”.

Assim, além de não assegurar as medidas necessárias à sobrevivência, aumentam o problema: à beira do colapso climático, novos projetos para a exploração de combustíveis fósseis vão avante. A ilustração perfeita é o caso do recentemente aprovado projeto de exploração petrolífera “Willow” no Alaska, nos Estados Unidos. Trata-se de uma exploração prevista para durar décadas, que irá emitir cerca de 280 milhões de toneladas de CO2 (Fonte: Kusnetz, Inside Climate News, 2023).

Em 2050, quando temperaturas altíssimas afetarem cerca de mil milhões de pessoas, ainda estará a ser extraído petróleo proveniente deste projeto (Fonte: MetOffice 2021).

Torna-se claro o total desinteresse do sistema económico global não só nas vidas que estes projetos custarão no futuro, como também na vida das populações locais, cujo habitat será gravemente afetado pelo projeto. Estas comunidades terão as suas águas poluídas, as suas zonas de caça e de pesca destruídas (Fonte: Ahtuangaruak, The Hill – 2022), e consequentemente a sua base de sustento, e, mesmo tendo feito protestos e petições para impedir o projeto, acabarão por ser deslocadas, bem como todas as que são afetadas com este tipo de projetos.

Neste momento, manifestações, petições, e tomar ações ecologicamente conscientes, como a prática da reciclagem e a redução do consumo de carne, apesar de necessário, nunca será suficiente. “Temos de correr em vez de andar”, como indica Hoesong Lee, presidente do IPCC.

Ocupar escolas e universidades pelo fim do fóssil é o mínimo que deveríamos estar a fazer: encerrar escolas durante semanas, bloquear infraestruturas emissoras, impedir a descolagem de jatos privados seria a resposta adequada.

Agora, mais do que nunca, é preciso recorrer à desobediência civil, em prol das leis que salvaguardam os direitos superiores, como o direito à vida. A mudança não será feita através dos líderes que constantemente provam que a justiça não é a sua prioridade. A mudança sempre foi e só será feita através da organização e mobilização popular massiva.

Vamos continuar a correr em direção ao fim dos combustíveis fósseis, e vamos dar o nosso primeiro sprint na nova vaga de ocupações a partir de 26 de abril, desta vez exigindo não só o fim ao fóssil até 2030, mas também eletricidade 100% renovável e acessível a todas as famílias até 2025.

Iremos resistir até recolhermos 1500 assinaturas de pessoas que se comprometem a tomar ação imediata em relação ao futuro da espécie humana, participando na ação de desobediência civil em massa no dia 13 de maio no terminal de gás natural liquefeito, em Sines.

O tempo para agir é agora. E nunca foi tão claro como neste relatório. O próximo relatório do IPCC só sairá por volta de 2030. Nessa altura, independentemente do que digam os cientistas, as nossas escolhas enquanto Humanidade estarão feitas. Tudo está em risco e, por isso, agora nós não vamos esperar até que o Governo tome medidas, porque não o fará. Vamos seguir-nos por este “guia da sobrevivência”, como o caracteriza António Guterres, e agir direta e autonomamente sobre o problema na sua raiz.

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