A meados de Dezembro, começou uma vaga de greves dos professores pela melhoria das condições da sua profissão, afetada pela crescente precariedade e crise de custo de vida, que avançou com paralisações nas escolas de Norte a Sul do país.
Em Novembro do ano passado, seis escolas e universidades de Lisboa foram ocupadas por estudantes ativistas inseridos no movimento “Fim ao Fóssil: Ocupa!”. O balanço de uma semana de ocupação inclui duas escolas secundárias completamente fechadas por alunos em protesto, que exigiam o fim aos combustíveis fósseis no país até 2030 e a saída dos interesses da indústria fóssil do governo, começando pelo Ministro da Economia António Costa e Silva. O choque e surpresa de ocupações estudantis num cenário de uma comunidade estudantil política quase em coma levou a diversas reações, por vezes antagónicas. Por um lado, houve uma grande onda de apoio de uma parte da sociedade civil que rapidamente se organizou com opiniões públicas de encorajamento, apoio logístico aos estudantes ocupantes, e visitas às ocupações. Por outro, e como seria de esperar em todas as ações ligeiramente mais radicais do que uma marcha, foram alvo de controvérsia. Uma das histórias contadas para ridicularizar de forma condescendente o movimento foi a ideia de que éramos “mimados”, um grupo de jovens idealistas sem noção que passava por cima dos outros para transmitir a sua mensagem. Talvez por não serem alunos com pouco mais de 20 anos, a greve dos professores não é tratada com (tanto) desdém, como se de uma brincadeira se tratasse. Se quando os alunos decidem fazer greve às aulas pelo clima a escola não fecha – independentemente da quantidade de alunos que o decidam fazer – então torna-se claro porque é que no semestre passado os estudantes recorreram às barricadas, mesas, cadeiras e cola para encerrar a escola e perturbar o seu normal funcionamento: a nossa casa está a arder, e vocês tem de nos ouvir e agir connosco.
Embora as circunstâncias entre a greve dos professores e as ocupações estudantis sejam distintas, saltam à vista alguns argumentos comuns usados para rebaixar ambos, argumentos estes usados por algumas figuras públicas, alguns pais, e até por outros alunos para descredibilizar quem percebe que as manifestações e os abaixo-assinados não transformam o mundo. Assim, ressurgiram do fundo do poço liberal as acusações do desrespeito do direito fundamental à educação, o atropelo das liberdades invididuais e a transgressão do Estado de Direito ao protestarmos colocando em causa a normalidade da vida dos outros. Tão forte foi esta narrativa institucional de auto-defesa, que os quatro estudantes detidos na Faculdade de Letras e que foram a tribunal por desobediência civil foram mesmo condenados a pagar uma multa de 295 euros cada, porque, de acordo com o juiz, “independentemente das causas que cada um abraça, tem que o fazer de acordo com as regras da sociedade”. É claro que as ocupações pelo fim ao fóssil causaram alguns distúrbios, principalmente nas escolas que foram encerradas pela força dos próprios alunos em protesto. Não houve aulas ou foram interrompidas por grupos de alunos com megafones, faixas e tambores nas mãos, algumas avaliações foram adiadas ou perturbadas. E é claro que a greve dos professores também está a causar uma interrupção da normalidade que por vezes se torna difícil de gerir. Mas esta perturbação da normalidade deveria fazer-nos entender que os governos e as instituições preferem fazer braço de ferro perante movimentos que reivindicam a urgência de um sistema com a vida, as condições de trabalho e a justiça social e climática no centro, do que abrir mão de um poder que assenta na exploração, na destruição e no lucro de poucos.
E é precisamente por este braço de ferro que a disrupção da normalidade, o incómodo e a raiva são necessários para transformar a sociedade. Nós sabemos que a vida está demasiado cara, que os salários estão demasiado baixos, que o nosso futuro neste planeta está a ser queimado pela indústria dos combustíveis fósseis, que as rendas estão impossíveis, que não temos tempo para nada. Nós sabemos que é preciso transformar o sistema. Para quem quer as coisas como estão, todas as ações de protesto com um mínimo de demonstração de poder serão sempre inadequadas, excessivas ou indignantes.
Na Primavera de 2023, nós vamos voltar a ocupar escolas e universidades pelo fim ao fóssil. Vamos fechar escolas e universidades em protesto, porque a luta contra a crise climática e contra quem a perpetua é a luta pela nossa vida e pela vida de todos. Face às greves, às ocupações, aos bloqueios e a tudo o que causa indignação mas que sabemos que, no fundo, contém o sopro que precisamos para vencer: comecemos a lutar por um presente e um futuro que nos sirva, e deixemos de repetir as balbúcias emitidas pelos velhos guardiões do sistema. Deles não precisamos, disso temos a certeza.
Texto de Matilde Alvim, publicado no Gerador, a 6 de Fevereiro de 2023.