Imagina que estás na tua escola ou universidade a ter uma aula. Tenta visualizar como é essa sala, em que parte da escola fica, quem são os restantes alunos que estão lá contigo, quem é a professora.

É cedo, e estás com sono e distraída a olhar à volta. De repente, começa a cheirar-te a queimado. Dizes: “professora, está a cheirar a queimado!”. E ela diz “é impressão tua, não me interrompas a aula.” A aula continua e ninguém parece estar a reparar e pensas que pode ser impressão tua, mas o cheiro intensifica-se. Diriges-te ao corredor para ver o que se passa, e as pessoas à tua volta estão confusas com o que é que estás a fazer.

Reparas que o cheiro vem da porta ao lado, que há algo a queimar nessa sala. Já lá estavam duas pessoas a tentar apagar o fogo, mas as chamas começam a crescer e mais ninguém parece estar a reparar.

Em pânico, voltas para a tua sala de aula e dizes o que está a acontecer: dizes que as chamas estão a crescer e que as pessoas lá não foram capazes de apagar o fogo sozinhas. As pessoas parecem confusas, e dizem que se isso fosse verdade o alarme de incêndio já tinha tocado. A tua professora acha que estás a arranjar uma desculpa para perturbar a aula mais uma vez, depois de teres ido invadir a sua aula a semana passada a dizer que a nossa casa está a arder.

A aula continua, mas alguns colegas teus levantam-se para ir ver se é verdade. As chamas estão cada vez maiores e a maioria das pessoas está a ignorar os teus avisos porque não acreditam que o sistema de incêndio fosse falhar de tal forma. Mas isto não é uma simulação.

Alguns dos colegas que estavam na tua aula voltam para a sala para dizer que é verdade, e para parar a aula. Tu segues para ir avisar outras salas. Na sala de aula que entras agora está a haver um exame. O professor diz-te que não podes entrar. Respiras fundo e entras na mesma. Os alunos ficam chateados contigo porque era o último exame que tinham para passar à cadeira e estão a estudar há duas semanas sem parar. Pedes desculpa, mas dizes que eles não podem continuar a fazer o exame. A escola está a arder e não é seguro. Dizes que não vais sair dali e que não os vais abandonar até que alguém te leve a sério e vá comprovar que a escola está mesmo a arder. Duas pessoas vão contigo, à espera que assim te cales mais rápido e os deixes continuar o exame, e deparam-se com as chamas no fundo do corredor. Voltam a correr para a sala do exame e dizem “É verdade. Precisamos de parar agora. Isto é uma emergência.”

Depois de garantires que esses alunos perceberam a urgência e de que vão avisar outras turmas, encontras uma funcionária ao telemóvel no fundo do corredor. Ela está a discutir com alguém. Tu tentas interromper a chamada mas ela não te está a ouvir. Tiras-lhe o telemóvel da mão, ela grita contigo, tu sabes que ela está irritada, provavelmente aquela chamada era importante, mas isso não importa, estás a fazer isto por ela e por todas as pessoas naquela escola. Tu explicas-lhe o que se passa, ela vai averiguar, contrariada, e depois de acreditar dirige-se à direção. Ela bate mas ninguém abre porque estão a ter uma reunião. Ela continua a bater com cada vez mais força e a gritar para que a ouçam. Passado demasiado tempo alguém abre a porta, ela entra pela sala a dentro e diz “a nossa universidade está a arder”.

A maioria das pessoa já tinha saído graças ao trabalho dos estudantes e quando a direção foi forçada a reagir finalmente já toda a gente estava fora da escola.

A crença cega no sistema de alarmes de incêndio preveniu toda a gente de agir a tempo. Tu sozinha não tinhas conseguido evacuar a escola. Mas se tu não tivesses agido como se a escola estivesse a arder, se não tivesses interrompido o funcionamento normal das aulas e das vidas dos estudantes, muitos daqueles estudantes teriam ficado a ter aulas e a fazer exames para um futuro que não iam ter.  

Não é só a nossa escola que está a arder, é Portugal, é o mundo, e ninguém está a agir como tal. Temos de parar a normalidade para apagar o fogo. Precisamos de agir como se a nossa casa estivesse a arder e cada sala consumida por chamas, cada fração de grau, tivesse um impacto direto em milhões de vidas, porque é essa a nossa realidade.

Felizmente, há outras pessoas que acreditam que estamos em crise e que temos de agir como tal. Não estamos sozinhas a apagar o fogo. Não somos suficientes ainda, mas juntas vamos criar disrupção na normalidade para dizer “a nossa casa está a arder, e nós temos de agir como tal”. Somos aquelas de quem estávamos à espera para nos salvar. A partir de dia 7 de Novembro, vamos todas ocupar pelo fim aos fósseis, para começar a apagar o fogo que dura há tempo demais.

Adaptado de um discurso feito no Peço A Palavra de 30 de Outubro dirigido a todas as estudantes que vão ocupar.

*

Passado uma semana deste discurso ter sido escrito, houve cheias em Londres que criaram mais disrupção na normalidade de todas as pessoas da área afetada do que os bloqueios de auto-estradas do movimento “Just Stop Oil”. A crise climática é a verdadeira disrupção da nossa normalidade, e diz-nos que a normalidade não pode continuar, ou a disrupção aumentará. Ninguém escolheu viver no tempo em que vivemos, mas a verdade é que a mudança vai acontecer, quer queiramos quer não. Nós agora temos a oportunidade histórica de mudar tudo antes que tudo mude por nós. Em que lado da história vais ficar?

Comentários

No comments yet. Why don’t you start the discussion?

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *