Porque é que nós fomos detidas?
Artigo original publicado no Expresso online a 17 de Novembro de 2022.
Esta terça feira, nós – 5 ativistas da Greve Climática Estudantil (GCE) entre os 17 e 21 anos – fomos detidas por nos termos colado à porta do ministério da economia depois de reunir com o ministro da Economia e do Mar, exigindo a sua demissão e dizendo que não saíamos até ele sair. Porquê?
António Costa Silva teve tempo para fazer a escolha certa, pois esta não é a primeira vez que é alertado pelo movimento pela justiça climática. Em 2019, os nossos protestos deixaram claro o alerta para a emergência climática, e desde aí a exigência de neutralidade carbónica até 2030 permanece ignorada.
Nessa altura, enquanto CEO da petrolífera Partex, afirmou-se publicamente contra as vitórias de um movimento que cancelou 8 contratos de petróleo offshore da sua empresa (entre outros), prevenindo emissões na ordem das 10 mil toneladas de CO2.
Ainda assim, durante a pandemia, foi quem foi eleito para “reerguer” a economia do país, seguindo o plano de recuperação e resiliência (PRR). Reparámos que, para António Costa Silva, falar de “descarbonização” e “transição”, é recomendar o avanço do aeroporto do Montijo, a mineração do mar dos açores, a construção de um gasoduto a partir de Sines e a expansão dos portos para aumentar a “competitvadade” e importação de gás fóssil.
Já recentemente, e enquanto ministro, pronunciou-se contra a Lei de Bases do Clima, mostrando-se aberto a propostas de empresas para furar o Algarve para obter gás fóssil.
Quando veio a público que as petrolíferas duplicam os seus lucros enquanto uma crise se instala no seio das famílias portuguesas, o ministro colocou-se contra a taxação dos lucros extraordinários das primeiras, alegando que as empresas não estão prontas.
Depois de uma semana de ocupações estudantis, no passado domingo o ministro disse estar disponível para nos ouvir. Propusemos uma palestra sobre crise climática, que recusou, talvez porque não reconhecer a própria ignorância: no PRR, afirma que “(…) é vital reduzir até 2040 o consumo de carvão em 40%, reduzir em 15% o consumo de petróleo e aumentar o consumo de energias renováveis em 40%”. A ciência que lhe queríamos transmitir diz que temos de cortar 75% das emissões até 2030.
Apenas aceitou falar connosco à porta fechada, não compreendendo sequer o porquê: devíamos era falar com o ministro do ambiente, alega. Já que ali estávamos, falou-nos orgulhoso da sua capacidade em reduzir emissões, embora diga que as quer aumentar, pois talvez o Sr. Ministro não saiba, mas o gás fóssil não é renovável, produzindo tantas emissões como o carvão. Portugal não precisa de mais energia nem baterias para alimentar o mercado dos carros elétricos. Não admitimos falsas esperanças e milagres tecnológicos. Precisamos de uma transição energética justa e não de uma expansão energética. De que nos servem as renováveis se não cortarmos emissões?
Por outro lado, quando questionado sobre os vários trabalhadores postos no olho da rua aquando da sua “vitoria” do encerramento de centrais termoeléctricas, recusou-se a comentar. Se para Costa Silva transição é sinónimo de expansão, justiça nem entra no seu vocabulário.
Diz que não demos propostas concretas, mas fizemos acompanhar a exigência da sua demissão com a necessidade de acabar com o gás até 2025, a par de um investimento público de 6 a 9 mil milhões para o único plano de transição compatível com a ciência que existe em Portugal. O ministro admitiu nem conhecer a Campanha Empregos para o Clima que produziu esse plano.
Se António Costa Silva tem a agenda demasiado preenchida para ouvir sobre ciência climática por parte de ativistas, nós temos a agenda demasiado preenchida para negacionismo climático.
Todas as conquistas do movimento supramencionadas foram ganhas por manifestações e desobediência civil, não por negociação, porque não dá para negociar a ciência climática. Precisamos de um corte de emissões, as exigências para a nossa governação são claras e António Costa Silva, defensor do lucro e do petróleo, não tem legitimidade social para as levar a cabo. Não temos escolha face à necessidade de garantir um futuro para todas nós: não arredamos pé (nem mão) até que o fim aos fósseis esteja assegurado.
Quarta-feira fomos presentes a tribunal por termos exigido que se parasse com os crimes que estão a ser cometidos contra a humanidade. Enquanto jovens ativistas são acusadas de desobediência por resistir à ordem de destruir o planeta, punidas com dezenas de horas de serviço comunitário, António Costa Silva e a indústria fóssil permanecem impunes.
Eles nunca vão parar. Cabe-nos a nós fazê-lo com a nossa força coletiva organizada, que voltará a ser demonstrada pelas ações de desobediência civil a partir de 2023 da campanha Gás É Andar Para Trás, com o objetivo de parar o gás fóssil, e com as próximas ocupações estudantis da primavera da GCE.
Alice Gato, Francisca Duarte, Leonor Chicó, Raquel Alcobia e Teresa Núncio.
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Carta de demissão apresentada pelas ativistas
Face aos recentes protestos de milhares de pessoas na última semana, que reivindicam o “fim aos fósseis no governo, a começar pela demissão imediata do ministro da economia e do mar, António Costa Silva”, apresento hoje, dia 15 de Novembro de 2022, a minha demissão das funções de Ministro.
Partilhando as preocupações ambientais destes jovens que exigem também o fim aos combustíveis fósseis até 2030, reconheço que o que defendia como uma “diversificação da companhia [Partex] com a aposta crescente nas energias renováveis (…)”, se trata na realidade de uma aposta na crescente importação de gás natural, um combustível fóssil que, como alertam os ativistas e a comunidade científica, tem de parar de ser utilizado até 2025 em Portugal caso queiramos evitar o colapso civilizacional.
Enquanto Ministro da Economia e do Mar fui incapaz de desempenhar as funções que se pretendem de um governo, principalmente a da salvaguarda da população portuguesa, tendo proferido palavras que não me seriam permitidas pelo artigo 45 da Lei de Bases do Clima, ao dizer que “Se hoje existirem empresas interessadas em investir nessas reservas e se vieram ter comigo, eu não terei reservas. Eu não penso fora da caixa. Eu não tenho qualquer caixa.”
Para além destes factos, embora saiba das preocupações climáticas da população desde 2019, em particular das gerações mais novas, ignorei-as ao não garantir que o Ministério da Economia, que até ao dia de hoje representava, investisse os 6 a 9 mil milhões de euros de fundos públicos em 200 mil Empregos Para o Clima, o único plano existente neste momento compatível com a crise climática. Em vez disso, defendi o lucro das petrolíferas, tendo inclusive expressado relutância em taxar os lucros extraordinários de empresas como a Galp, que no último ano duplicaram os seus lucros, enquanto a crise do custo de vida se instalava no seio das famílias portuguesas.
Pelos motivos supramencionados, apresento hoje a minha demissão das minhas funções de governo, esperando que o resto do governo e os meus sucessores ouçam as palavras dos estudantes que lutam pelo futuro de toda a população, implementando planos ambiciosos para o combate da crise climática, pondo a sobrevivência, e não o lucro, no centro das suas preocupações.
15 de Novembro de 2022,
[Espaço em branco que ministro se recusou a assinar].
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