MÉTODOS
O movimento tem vindo a radicalizar-se. Acham que a violência vai aumentar e continuar?
O movimento pela justiça climática não é violento. Violento é o sistema fóssil em que vivemos, que todos os anos destrói milhares de vidas e que continua a queimar o nosso futuro a toda a velocidade. Violenta é a realização de que nascemos em crise climática e o nosso futuro continua incerto. No nosso consenso de ação público temos o acordo explícito de que vamos todas agir de forma cuidada e não vamos colocar nenhuma pessoa em perigo.
O nosso medo é de ficarmos sem água para beber no nosso tempo de vida. O medo que causamos a quem nos está a condenar é de ficar com o fato sujo. A violência existe, e não está a ser causada por nós. Uma coisa é certa: estamos determinadas a lutar pelo planeta e pela sociedade justa em que acreditamos.
Não acham que as ações radicais afastam pessoas, em vez de as trazer para a “causa ambiental”?
Nós já organizámos petições e marchas com milhares de pessoas nas ruas, entre tantas outras coisas. Não foi o suficiente. Sabemos que todas as peças são essenciais na luta para travar a crise climática, mas sabemos também que, quando enfrentamos um sistema tão poderoso como o sistema fóssil, é preciso mais do que isso para conseguirmos ganhar. As instituições foram feitas para proteger este sistema, por isso a via institucional nunca será o suficiente para ganhar.
Ao longo da História, nenhuma mudança social significativa foi feita de forma consensual e todos os grandes movimentos precisaram de desobedecer. Nós sabemos que também estamos do lado certo da História e que vamos vencer. Esta é, literalmente, a batalha pelas nossas vidas.
O que acham da ação levada a cabo pelos jovens portugueses que colocaram os Estados europeus em tribunal (ou outro exemplo de luta institucional)? Não acham que seria mais producente?
Todas as peças são importantes para travar esta luta. No entanto, sabemos os processos institucionais nunca vão dar os resultados necessários. Os combustíveis fósseis são um dos pilares do sistema em que vivemos e as suas instituições foram construídas para os proteger.
Para conseguirmos acabar com os combustíveis fósseis e fazer uma transição justa dentro dos prazos ditados pela ciência precisamos de mudar tudo, o que só é possível com uma luta que enfrentar de frente o poder que nos empurra para o colapso.
TEORIA DE MUDANÇA
Porquê escolas? Porquê estudantes?
Estamos a fazer ações/organizar estudantes nas escolas e universidades, porque estes são os nossos lugares de luta. Somos jovens sem um futuro. Desde que nascemos que sabemos que temos de parar com os combustíveis fósseis. No entanto, todos os anos emitimos mais. A nossa geração não pode esperar que os governantes que nos estão a falhar à décadas nos salvem. Se não tomarmos o nosso futuro pelas nossas próprias mãos, estamos a estudar para um futuro que não vamos ter.
Historicamente, movimentos estudantis que começaram em escolas, com greves, piquetes e ocupações, tiveram um papel bastante relevante em movimentos sociais. Se queremos garantir o nosso futuro, enquanto estudantes temos de nos organizar para garantir a mudança e as escolas são o nosso espaço de luta e de organização. Para conseguirmos acabar com os combustíveis fósseis e fazer uma transição justa dentro dos prazos ditados pela ciência precisamos de mudar tudo, o que só é possível com uma luta que enfrentar de frente o poder que nos empurra para o colapso.
Porquê a adição de “interromper a normalidade” dos governos e instituições?
Mesmo após três vagas de ocupações e dezenas de detenções e sacrifício por parte dos estudantes, continua a não haver nenhum plano para travar a crise climática compatível com os prazos da ciência e o sistema segue ignorando esta crise. As petrolíferas lucram e os estudantes continuam a ser ignorados e a ver o seu futuro a ser roubado em nome do lucro por um sistema injusto.
Não podemos consentir com isto. Precisamos de retomar aos nossos espaços, as escolas, e usá-los para mobilizar e organizar estudantes para lutar pelo fim ao fóssil. Mas precisamos também de confrontar diretamente quem, supostamente, nos estaria a proteger, mas está a hipotecar o nosso futuro ao sistema fóssil. Precisamos de interromper as instituições de poder que estão confortavelmente a condenar-nos em nome do lucro há décadas, até que sejam obrigadas a garantir o nosso futuro.
O que significa “não dar paz” às instituições?
Várias décadas antes de nascermos, os governos e instituições já sabiam que tínhamos de parar de utilizar combustíveis fósseis. No entanto, apesar de tods as COPs e acordos, todos os anos as emissões aumentam. O sistema escolhe todos os anos ignorar esta crise, mas não podemos deixar que continuem a condenar pessoas à morte com impunidade. Não dar paz às instituições significa responsabilizar os governantes e as pessoas em posições de poder para que estes façam aquilo que já deviam ter feito há décadas e aquilo que a ciência diz ser essencial para evitar o colapso climático.
O que esperam da parte das instituições?
Para evitar o colapso climático é necessário uma mudança sistémica completa, ações individuais nunca seriam suficientes. Assim sendo, os governos e instituições deveriam estar a garantir o nosso presente e futuro, que estão sob ameaça da crise climática que já destrói milhares de vidas todos os anos. O planeta e o nosso futuro não são negociáveis: precisamos de um serviço público de energias renováveis que garanta um plano de transição justa e o fim da economia fóssil até 2030. Sabemos que outro mundo é possível e estamos determinadas a lutar, aceitando as consequências dos sacrifícios que fazemos.
Porquê as instituições europeias?
As instituições europeias são um dos grandes responsáveis pelas políticas relacionadas com emissões de gases de efeito de estufa. Este ano vamos ter eleições históricas, que dão o último mandato para o Parlamento Europeu votar as políticas para uma transição justa, nos prazos da ciência e justiça. Precisamos do Fim ao Fóssil até 2030. E esta necessidade existencial não pode continuar a ser ignorada pelas instituições de poder nacionais e europeias. Convocamos toda a sociedade para, dia 8 de Junho, marchar connosco para interromper o funcionamento do Gabinete de Representação do Parlamento Europeu. Este instituição representa a inação das instituições europeias perante a maior crise que a humanidade já enfrentou. Vamos tomar ação, num momento de resistência popular contra aqueles que nos levam ao colapso.
“Vocês não querem que as pessoas votem”/”São antidemocráticos“
Não dizemos que não devem votar, dizemos que votar não é o suficiente para garantir o nosso futuro, pois nenhum partido tem um plano compatível com a crise climática. Se não pressionarmos verdadeiramente as instituições de poder, elas nunca nos vão dar voluntariamente o fim ao fóssil. Se elas estão há décadas confortáveis a condenar-nos, não podemos esperar que apenas pedir por favor ou votar seja o suficiente para as fazer mudar de ideias.
PROPostas políticas
Porquê o fim ao fóssil até 2030? Isso não é impossível?
O fim da economia fóssil até 2030 é o prazo ditado pela ciência para os países do norte global, de modo a evitar ultrapassar a barreira de segurança dos 1.5ºC de aquecimento acima dos níveis pré-industriais. Ainda vamos a tempo de travar a crise climática e evitar os seus piores efeitos, construindo uma sociedade mais justa para todas as pessoas, mas é preciso agir já e em grande escala: o custo dos planos atuais é o nosso futuro queimado e meias medidas não vão conseguir parar o colapso climático. Existem programas e soluções de como fazer uma transição energética justa, o que falta é vontade política de enfrentar esta crise.
Como é que vamos garantir o fim ao fóssil até 2030? Quais são as vossas propostas?
O fim ao fóssil até 2030 não é negociável: é uma condição para travar a crise climática, salvar milhares de vidas e garantir o nosso futuro. O único impedimento neste momento é a falta de vontade política e não a falta de ciência ou tecnologia.
Um primeiro passo é a eletricidade 100% renovável e gratuita para todas as pessoas até ao fim do ano. Para além desta medida concreta e urgente, a transição energética justa implica uma transformação em toda a sociedade: energia, agricultura, consumo, produção, transportes e muito mais. Para tudo isto acontecer, é necessário que seja criado um serviço público de energias renováveis. A transição justa nunca irá acontecer se mantivermos este sistema focado num lucro em que empresas controlam a energia.
Revemo-nos no plano desenhado pela campanha Empregos para o Clima, que propõe um roteiro para o fim dos combustíveis fósseis que crie 200 mil novos empregos em Portugal, colocando a justiça e a democracia energética no centro. Este projeto tem, além das explicações técnicas e administrativas, também as questões financeiras. É um projeto possível e viável, capaz de responder à maior crise da História.
Porquê parar de usar gás fóssil para produzir eletricidade?
O gás fóssil é vendido como um combustível “verde”, quando, na realidade, é um combustível fóssil tão prejudicial como o petróleo e o carvão. Para conseguirmos o fim dos combustíveis fósseis até 2030, precisamos de começar já. 2023-2024 precisa de ser o último inverno em que usámos gás fóssil no país, substituindo-o por eletricidade 100% renovável e acessível para todas as pessoas. Dada a capacidade já instalada para produção de eletricidade renovável, esta mudança é uma proposta política concreta, urgente e realizável que permite não só o corte de emissões e o abrir do caminho para o fim ao fóssil; como também a reconstrução do sistema energético com base nos princípios da democracia energética e da energia como um direito básico e não uma mercadoria inflacionável.
Porquê e como “eletricidade 100% renovável e gratuita até ao fim do ano”? Não é irrealista?
Mais uma vez: não falta capacidade técnico-científica, apenas vontade política. Esta é uma medida concreta e urgente que permite não só acabar com grande parte do gás fóssil em Portugal, mas também re-organizar o sistema energético. Para isto acontecer é necessário um serviço público de energias renováveis, de gestão pública e democrática, garantindo que a energia é vista como um direito e não uma mercadoria. O preço do gás fóssil é instável e provoca inflação, enquanto a produção de eletricidade 100% renovável a preços acessíveis para todas as pessoas iria combater a crise do custo de vida e a crise climática. Seria necessário um aumento da capacidade de produção de renováveis, a diversificação de fontes de energia renovável, a agilização das licenças, entre outros. Tudo isto é ultrapassável com vontade política. O que vale mais: o nosso futuro ou o lucro das empresas fósseis? A resposta até agora tem sido que o nosso futuro é negociável, enquanto o lucro destas empresas não, mas isso tem de acabar.
Portugal é um dos países mais avançados no combate à crise climática. Não acham que estão a pedir demais?
Nenhum país está a fazer o suficiente. Não sermos os piores não é uma razão para não fazermos o que devemos. Neste momento, a proposta do governo é incompatível com os prazos da ciência e conduz-nos ao colapso climático: neutralidade carbónica apenas para 2045 ou 2050, sem nenhum plano para como o vão fazer. Pelo contrário, têm planos para expansão das emissões: novos gasodutos, novo aeroporto, etc. Portugal é o país da Europa em que uma maior percentagem do PIB (1,34%, o que corresponde a 3,3 mil milhões de euros) vai para subsídios de combustíveis fósseis (European Environment Agency).
Temos assistido apenas a uma expansão energética, em vez da transição que precisamos para sobreviver. As energias renováveis têm de entrar no sistema para os fósseis saírem, não para manter ambos. Os governos portugueses continuam sem querer acabar com o sistema económico fóssil, propondo meias medidas que nunca serão suficientes para a transformação de que precisamos.
Com tantas crises sociais importantes por resolver, incluindo crises política, energética e de habitação, ainda querem acabar com os fósseis? Isso não seria catastrófico em termos sociais?
As atuais crises política, de habitação e energética têm a mesma origem que a crise climática: um sistema económico virado para o lucro e completamente dependente de mercados de combustíveis fósseis que queimam não só o planeta, mas também a carteira das pessoas. A corrupção é inevitavel num sistema económico focado no lucro e controlado por empresas. É necessário mudar este sistema e criar um serviço público de energias renovaveis, de modo a garantir que a energia não é vista como uma mercadoria para gerar lucro, mas sim como um bem essencial.
A eletricidade produzida através de fontes renováveis é muito mais barata e o custo da energia está associado ao escalamento dos preços dos combustíveis fósseis e à corrida pelos lucros desmedidos das empresas. Justiça climática é acabar com a crise energética, implementando eletricidade 100% renovável e acessível, e iniciando um processo sério de transição justa, que combata a crise política, climática, social e energética.
Os estragos das alterações climáticas custam seis vezes mais do que reduzir as emissões, segundo dois estudos no Nature Climate Change. Esta transição vai ter de ser feita. E quanto mais adiarmos, mais vai custar. O custo de não agir já e em grande escala traduz-se no agravar de todas estas crises e em milhares de refugiados, deslocados, e mortos. Isso sim será catastrófico.
Vai faltar eletricidade à noite, qual é o vosso plano para isso? Mais lítio? Então e o abate de sobreiros para colocar os painéis solares, querem que isso aconteça mais vezes?
O fim ao fóssil até 2030 não é negociável, é uma necessidade existencial. Para isto acontecer precisamos de uma completa reconfiguração na forma como a energia é pensada e gerida socialmente, como já explicitámos. Existem várias tecnologias e formas de gestão possíveis para resolvermos a questão da eletricidade – como smartgrids ou a necessidade de redução de consumo elétrico, entre outras. Nenhuma das barreiras que existe é inultrapassável, uma vez que não falta capacidade técnico-científica para isto ser uma realidade, apenas vontade política.
Existe um problema grave no processo de instalação de renováveis que temos hoje em dia, devido a ainda ser conduzido por empresas: o seu objetivo não é a racionalidade e o abastecimento energético, é exclusivamente fazer lucro. É por isso que governos e empresas estão a reproduzir o modelo energético fóssil com as energias renováveis: constroem grandes centrais, controlam grande redes de distribuição e ficam novamente donas de um monopólio. Este modelo é o modelo do abate de sobreiro, o modelo da ocupação dos solos agrícolas essenciais para produzir alimento, o modelo dos preços altos. O problema tanto do lítio como do abate de sobreiros provém do facto de não estar a acontecer uma transição energética justa, mas sim uma exploração focada no lucro.
Uma transição energética justa implica reorganizar o sistema energético com base nos valores da justiça e democracia. A produção de eletricidade deve ser gerida por um serviço público de energias renováveis. Nós precisamos de um sistema elétrico mais descentralizado, com menos perdas na distribuição, em que a distância entre o consumo de eletricidade e a sua produção é o menor possível. É um sistema em que nas casas, nos prédios, nas cidades, se produz o que se consome. Este modelo é possível, mas não serve para dar lucro às grandes empresas, porque “para “apenas” garante a energia elétrica necessária, que é o que nós queremos. Os impactos ambientais serão necessariamente muito mais pequenos que o atual sistema renovável e infinitamente menores que o modelo fóssil que nos leva para a catástrofe.
Como é que as pessoas vão cozinhar? Querem tirar as bilhas de gás às pessoas?
Quando dizemos que este tem de ser o último inverno de gás estamos a dizer que este tem de ser o último inverno em que usamos o dito “gás natural”, ou seja, gás metano, para produzir eletricidade em Portugal. A utilização deste gás contribui tanto ou mais para a crise climática como a utilização de gás ou carvão, desde a sua extração até à sua queima. Para conseguirmos o fim aos combustíveis fósseis até 2030, precisamos de parar isto, substituindo-o por eletricidade 100% renovável e gratuita para todos. Dada a capacidade já instalada para produção de eletricidade renovável, esta é uma proposta política realizável neste curto prazo, que é apenas o primeiro passo.
O gás que utilizamos em botijas em casa é gás butano, um gás diferente. Eventualmente, será necessária uma transição em que se deixe de usar também esta fonte de energia fóssil, mas para essa reconstrução total do sistema energético temos mais algum tempo (até 2030!) e tem de ter como base os princípios da democracia energética e da energia como um direito básico, não uma mercadoria inflacionável. Ou seja, a transição tem de garantir que ninguém fica sem alternativas energéticas e que, pelo contrário, a nova solução ajude a combater a crise energética. Isto só é possível com um serviço público de energias renováveis.
Então deveríamos utilizar mais hidrogénio?
O hidrogénio pode ter uma função relevante na transição energética, principalmente em substituir o gás metano em processos industriais que não podem ser eletrificados.
No entanto, o hidrogénio para produzir eletricidade é uma falsa solução que empresas usam para continuarem a utilizar combustíveis fósseis. A maior parte da produção global de hidrogénio é feita através de gás fóssil (75%) e, frequentemente, o hidrogénio é também uma justificação para expandir gasodutos que irão servir para transportar gás metano. Além disso, o transporte de hidrogénio é pouco eficiente, portanto a utilização de hidrogénio só faria sentido se não for produzido através de combustíveis fósseis e se for consumido no local onde é produzido.
Para garantir o fim ao fóssil até 2030, é necessária uma diversificação de fontes de energia renovável, mas não podemos deixar que o hidrogénio seja um “cavalo de tróia” para continuarmos a utilizar gás e outros combustíveis fósseis.